Sinais comuns de envelhecimento ou declínio cognitivo?

Neurologista do CEJAM explica diferenças e como identificá-las Especialista aponta estratégias para envelhecer com uma boa saúde cerebral

Publiciado em 20/10/2025 as 08:58

O Brasil está envelhecendo rapidamente. Projeções do IBGE mostram que, em 2046, pessoas com mais de 60 anos já serão a maior parcela da população, alcançando 28%. Em 2070, esse grupo deve representar 37,8% dos brasileiros, mais de um em cada três. Ao mesmo tempo, a idade média, que era de 35,5 anos em 2023, deve subir para 48,4 anos.

O neurologista Roger Gomes Reis, ​que atua na​ AMA​ Especialidades​ ​Jardim ​São Luís e AMA ​Especialidades ​Capão Redondo​,​ gerenciadas pelo CEJAM (Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”) em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, explica que o envelhecimento cerebral é um processo natural e complexo, mas não significa declínio inevitável.

A partir dos 60 anos, o cérebro passa por mudanças estruturais, como redução de volume em áreas específicas, diminuição da mielinização e alterações neuroquímicas que afetam neurotransmissores como dopamina, acetilcolina e serotonina. Funções cognitivas, como velocidade de processamento, memória de curto prazo e funções executivas, também podem ser impactadas. Ainda assim, a plasticidade neural​ (modo como o cérebro se adapta e muda ao longo da vida)​ e a capacidade de compensação permanecem ativas.

Diferenciar o envelhecimento cerebral normal do Declínio Cognitivo Leve (DCL) é essencial. No envelhecimento normal, os esquecimentos são ​mais brandos, ​​graduais e não comprometem a independência do idoso. Já no DCL, há lapsos de memória mais frequentes e impactantes, dificuldades crescentes em funções executivas e linguagem, além de alterações perceptíveis por familiares, embora a pessoa ainda mantenha certa autonomia.

O especialista alerta que nem todo DCL evolui para Alzheimer, mas a maioria dos casos da doença passa por essa fase. O diagnóstico precoce, por meio de avaliações neuropsicológicas, exames de imagem e laboratoriais, são fundamentais para identificar causas reversíveis e permitir intervenções que retardem a progressão da doença.

A boa notícia é que o cérebro idoso pode ser protegido e estimulado com exercícios físicos regulares que promovem neurogênese, plasticidade sináptica, melhora da vascularização cerebral, redução da inflamação e otimização da função dos neurotransmissores. ​Uma ​ dieta equilibrada, rica em ômega-3, antioxidantes, vitaminas do complexo B e vitamina E, também contribui para a manutenção da saúde cerebral.

Treinos cognitivos, desde jogos de ​memorização​ e xadrez até programas computadorizados​,​ ajudam a melhorar a memória, atenção e funções executivas. ​Assim como ​​ s​ono de qualidade, práticas de yoga, meditação e mindfulness​ auxiliam a ​reduzir​ o estresse.​ ​

Reis ressalta que manter uma vida social ativa é tão importante quanto exercício e dieta. Interação e engajamento social fortalecem a função cognitiva​ ​e protegem contra o declínio cognitivo e demências.

“Movimentar o corpo, desafiar a mente, dormir bem, alimentar-se adequadamente e manter conexões sociais são pilares para envelhecer com saúde cerebral. O cérebro não para de se adaptar, a velhice pode ser um período de aprendizado e criatividade, e não de perdas inevitáveis”, destaca o Dr. Roger.

Apoio prático no dia a dia: Programa Acompanhante de Idosos (PAI) 

Além de orientações médicas, o Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” oferece suporte direto à população idosa por meio do Programa Acompanhante de Idosos (PAI), criado em 2008 pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.

A primeira unidade gerenciada pelo CEJAM foi o PAI Vera Cruz, inaugurado em 22 de agosto de 2013, com a missão de recuperar e fortalecer a autonomia de idosos frágeis ou pré-frágeis que enfrentam dificuldades de acesso aos serviços de saúde.

Segundo Taciana Ferreira, assistente social e supervisora do PAI Vera Cruz, o trabalho cotidiano é amplo e diversificado. “Os atendimentos envolvem desde atividades voltadas à reabilitação da vida diária como exercícios de coordenação motora, fortalecimento muscular, prevenção de quedas e estímulos cognitivos com musicoterapia, jogos, conversas e momentos de escuta até apoio em tarefas domésticas, como o preparo de refeições e a organização da casa.”

As ações também acontecem fora do domicílio, com foco no fortalecimento da participação comunitária e na redução do isolamento social, um dos maiores desafios enfrentados por essa faixa etária. “A UBS oferece diversos grupos abertos a todos os idosos da região, incluindo os do PAI. Além disso, os participantes podem ser acompanhados em exames, consultas, compras e atividades de lazer, o que garante integração e qualidade de vida”, completa Ferreira.

O programa é direcionado a pessoas com 60 anos ou mais, avaliadas pela AMPI (Avaliação Multidimensional da Pessoa Idosa), que apresentam limitações de mobilidade, dependência em atividades cotidianas, isolamento social ou falta de suporte familiar. O acompanhamento é revisto periodicamente e, quando o idoso recupera sua autonomia, recebe alta, abrindo espaço para novos atendimentos.

Um exemplo do impacto do PAI é a história de Maura Rodrigues, 61 anos, incluída no programa em fevereiro deste ano. Antes de ingressar, ela vivia isolada, enfrentava dificuldades no controle do diabetes e da hipertensão e lutava contra a depressão. A perda da visão, consequência de complicações do diabetes, agravou sua condição e a fez perder a esperança, chegando a pensar em desistir da vida.

O ingresso no programa representou uma virada. Com o acompanhamento da equipe multiprofissional, Maura passou a receber estímulos cognitivos e físicos, reconquistando autonomia em tarefas simples, como cozinhar, organizar a rotina e administrar seus próprios medicamentos.

“Antes, eu não tinha motivação. Com o PAI, passei a ter compromissos, horários definidos e responsabilidades que me devolveram ânimo e autonomia”, relata.

O vínculo com ​o ​ acompanhante também foi decisivo. “Ele sempre me incentiva, mesmo quando eu não tenho vontade. Trata-me como uma pessoa capaz, e não como alguém inválido, como eu me sentia após perder a visão.”

Hoje, Rodrigues redescobriu prazeres simples, como preparar refeições e participar de atividades sociais com confiança. Compartilha sua evolução com familiares e amigos e afirma ter recuperado o sentido da vida.

“A primeira atividade que consegui realizar sozinha foi tomar minha medicação. Agora não dependo de ninguém. Isso me mostrou que é possível retomar a autonomia e olhar para o futuro com esperança. Idosos ou pessoas com deficiência não podem se entregar. O apoio da equipe faz toda a diferença. Hoje sei que ainda tenho muita vida pela frente”, conclui.

 

Fonte: Jornal da Cidade

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